quarta-feira, 16 de junho de 2010

SOMOS TODOS DROGADOS? Déa Januzzi

Dá a impressão de que todo mundo está entorpecido por alguma substância tóxica, que impregna o corpo, que contamina o sangue e que não tem cura nem lei nem tratamento que acabe com ela. A impressão é de que todo mundo sofre do vício da intolerância, uma droga que, se tomada em excesso, pode ser letal. O preconceito também é fatal porque, muitas vezes, não tem cura e põe uma venda nos olhos para não ter que enxergar mais do que as próprias palavras e ações. São donos da verdade e da moral , injetadas em doses cavalares em nossas veias. É uma droga venenosa, sem antídoto.

A impressão é de que as pessoas estão tão acostumadas a julgar os outros que tudo deve estar dentro de um molde. Nas gaiolas que são os prédios de apartamentos tem que falar baixo, ouvir música sussurrante, evitar certas palavras porque o vizinho pode estar ouvindo e julgando sem nem mesmo conhecer a voz e entender o porquê da dor do outro. Isso quando a festa, os gritos, as conversas exaltadas, a música alta são na sua casa. Na casa do vizinho, a festa pode ir até as três da manhã, porque geralmente eles se acham impunes e com o direito de inocular no seu sangue a droga da hipocrisia e do egoísmo.

A droga da omissão também está por todos os lados e pode ser vista ao ar livre, com sol quente. Se, por acaso, a rua onde mora tiver coleta seletiva da SLU num dia determinado da semana, ninguém quer nem saber se o mundo vai bem ou mal.

O lixo orgânico é misturado com os outros dejetos dos apartamentos e fica exposto aos mosquitos, à dengue e ao desleixo, enquanto na garagem do prédio carros zero indicam que os moradores se sentem muito poderosos. Mas não têm a simplicidade de recolher o lixo, separar e levar para a rua em recipientes que não vão ser fuçados pelos cães. Nem mesmo uma lixeira com fundo pode ser providenciada, porque lixo é para jogar fora sem acondicionamento devido ou pudor. A droga do consumismo exagerado pode ser medida pelo volume de lixo que eles jogam para fora de casa, sem nenhum respeito às normas ambientais.

A droga do individualismo está consumindo as nossas vísceras, o fígado, o estômago até atingir em cheio o coração. Não há mais conversa. O uso da palavra foi interceptado. Não há mais respeito ao todo, apenas ao particular. Como diz o psicólogo e antropólogo Roberto Crema, quanto mais os adultos se viciam em normose (excesso de normalidade), mais jovens abusam da droga da tristeza, da solidão, da depressão e da revolta. Para ele, é preciso mudar o jeito de olhar: “Mudar o mundo é mudar o olhar. Do olhar que estreita e subtrai para o olhar que amplia e engrandece. Do olhar que julga e condena para o olhar que compreende e perdoa. Do olhar que teme e se esquiva para o olhar que confia e atreve. Do olhar que separa e exclui para o olhar que religa todos os olhares”.

Os normóticos têm o vício de tomar remédios para trabalhar, dormir, para ser feliz num mundo de zumbis. Um simples cartaz na portaria de um prédio feito por um jovem que quer avisar sobre a coleta seletiva do lixo provoca uma overdose de protestos. Uma moradora que só pensa em si mesma, nas suas necessidades pessoais, arranca o cartaz sem nem ler, porque, se lesse, veria que o cartaz estava assinado pelo autor e com o número do apartamento.

Como acabar, então, com a droga da mesmice? É saindo do lugar-comum para tomar conta do lixo, do jardim, da rua. É parar de olhar para o próprio umbigo, oferecer antes de cobrar. E sabe o que mais? Ninguém mais convida o outro para entrar e conversar. É mais fácil bater a porta com força na cara do outro, trancar-se do lado de lá e injetar na veia o preconceito contra qualquer forma de diálogo. Ninguém convida mais para reunião. Nem de condomínio quanto mais para um aniversário, uma confraternização, um simples encontro entre pessoas civilizadas. Não, é melhor fechar a cara, fingir que está tudo bem, mas sorrateiramente arrancar o cartaz, sem deixar pistas. Sem assinar o próprio ato.

Há um vício generalizado de menosprezar o outro, de fazer juízo apressado, de pôr a mão na ferida alheia, com a intenção de sangrar o que já estava cicatrizando. Há uma máscara escondendo os rostos verdadeiros. Há uma gula por mais e mais. Há uma provocação no ar que a qualquer momento pode virar briga. Nem adianta acenar a bandeira branca nem fumar um cachimbo coletivo, porque paz é muito mais que isso. Há uma paz possível, se cada um fizer algo para mudar a realidade à sua volta. Paz ocorre dentro da gente, quando abandonamos a mesmice para enxergar longe. Com um novo olhar!

Um comentário:

  1. Concordo com o texto publicado. Estamos todos muito doentes. Eu me incluo nesse meio. Não temos paciência, queremos tudo para ontem, nos destemperamos por coisas banais.
    Será o reflexo desse novo mundo que vivemos ou de fato, ao invés de evoluirmos nos tornamos pessoas piores? Para pensar no que você escreveu.
    Um beijo

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