domingo, 23 de janeiro de 2011

LIBERDADE, LIBERDADE!/ Déa Januzzi

Liberdade para quê? A pergunta vem martelando há dias na cabeça da mãe. Como se fosse um mantra ou um eco das próprias incertezas. De repente, ela ficou só: o filho decidiu seguir o próprio caminho e envia mensagens telepáticas por e-mail, como se quisesse economizar palavras. A mãe, que sempre viveu pelo e para o filho, também está livre para voar, mas, por enquanto, ainda não sabe o rumo. Escondeu as asas em algum lugar perdido dentro de casa. Reconhece que pode fazer o que e quando quiser, inclusive não fazer absolutamente nada.

Num primeiro momento, ela se sente livre de todas as amarras, em outros busca rastros do filho deixados pela casa e tem pena de si mesma, então escreve para se libertar do medo de estar só. E volta a se perguntar liberdade para quê? É uma pergunta difícil de responder quando ela está livre para fazer as comidas que gosta, beber vinho sem críticas, dormir na hora e do jeito que quiser, mas por que é que cozinhar para si mesma não é tão bom assim? Por que de repente a mãe pode fazer o que quiser e não quer fazer nada?

Liberdade, liberdade, o que fazer com essa profana, vasta, pecadora e sufocante liberdade? A mãe, então, se lembra de que reclamava o dia inteiro de não ter tempo para cuidar de si mesma, de não conseguir frequentar o salão, de não encontrar os amigos, de não poder convidá-los para sua casa. Agora ela pode e por que então não faz?

Há um silêncio na casa que só é cortado pelos latidos da cachorra Frida, companheira de todas as horas, mesmo as impróprias. Frida também sente saudades, mesmo que hoje possa ocupar todos os cômodos da casa, mesmo que possa latir até cansar, sem ser repreendida por um de seus donos. Frida busca abrigo aos pés da dona, suplica por carinho, não sabe por que de repente a casa ficou maior, grande demais para seus latidos.

No trabalho, ela continua orquestrando. É lá que a mãe procura a sinfonia, as ondas sonoras que a tiram do comodismo, da mesmice, da rotina. O trabalho é a companhia ideal que a faz sonhar, abraçar projetos, viver a alegria de ser ela mesma e de poder voar por meio das palavras. Enfim, o trabalho é a ponte para a liberdade de viver e de ser.

Depois do trabalho, ela pode virar à direita ou à esquerda, pode se perder no caminho ou achar um trajeto especial. Pode até dobrar a esquina mais próxima ou ir tão longe quanto quiser. Mas não faz nada, acostumou-se a voltar para casa, ouvir os ais do filho que lhe pergunta sempre: “O que vamos comer?” Em casa, tudo está arrumado, no lugar. Só falta lugar dentro dela. Dentro dela ficou tudo apertado. Por que, então, não arruma os livros na estante por temas ou autores? Um vento sopra em seus ouvidos: “Mãe, organize os seus arquivos. Eles são preciosos para você! Arrume alguém para ajudá-la a pôr a sua vida profissional em ordem!” – ela olha para o escritório em desordem e abre uma garrafa de vinho.

Olha para a taça e pensa, amanhã vou fazer isso ou daqui uns dias, quando estiver mais organizada por dentro. Ela pensa, por que será que as mãe só vivem para e pelos filhos? Por que é que quando uma mulher vira mãe, ela só se mobiliza com as causas do filho? Por que deixa os projetos desordenados no armário? Por que não compra flores para enfeitar a casa? Por que não acende um incenso e dança Odara? Ou tira para fora as suas melhores fantasias? Para quê, pensa a mãe que pode ir para trás e para frente, pode dar o seu salto quântico agora, pode até escrever os livros tão prometidos.

O computador da casa está livre só para ela, mas por que está tão difícil sentar na cadeira, ligar a máquina e começar? Por que não faz a própria agenda, põe em dia as visitas aos amigos, não faz os programas sempre adiados?

Ela está bem porque sabe que o filho também está. Não há desespero nem tristeza, apenas um fio enrolando seus passos, seus gestos, prendendo seus movimentos. Liberdade para quê? Já perguntou um amigo quando ela resolveu levar a mãe já idosa para morar com ela e o filho e pensava que poderia ficar presa. Foi o tempo que ela se sentiu mais livre, mais inteira e em paz consigo mesma. Cuidar é o verbo que as mães conjugam para sempre e com prazer. Ela pode muito bem cuidar dos pássaros, das plantas, da Frida, pode plantar mais ervas no jardim, nadar. Ela pode fazer tudo, mas não quer saber de plantas, dos pássaros, de ervas e flores.

Mas depois que uma mulher se transforma em mãe, ela até pode reclamar do dia a dia estressante, da rebeldia e inquietação dos filhos, de não conseguir agradar, de não saber conversar certas madrugadas, de estar cansada demais para filosofar, de pedir para abaixar a música, arrumar o quarto, estudar, mas o que pode uma mãe fazer com tanta liberdade? Ela ainda não sabe.

2 comentários:

  1. Kyria, que lindo texto. Uma doída verdade!
    Mas se olhares no espelho, no fundo dos teus olhos, acharás a porta que procuras, dentro do teu coração.
    Uma mulher viva, precisando reorganizar a própria vida, "arrumar a casa interior" para depois, projetar as mudanças na estante, no escritório, nos quartos e salas, para um dia, quando o filho vier em visita, encontrar a mãe maravilhosa que o espera sem apegos, somente com amor.
    Um grande beijo no teu coração!!!!

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  2. Adorei o texto...muito bom.

    abraços
    de luz e paz
    Hugo

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